terça-feira, 13 de maio de 2014

Da Sociedade



Se nos voltarmos para as restrições que só se aplicam a certas classes da sociedade, encontraremos um estado de coisas que é flagrante e que sempre foi reconhecido. É de esperar que essas classes subprivilegiadas invejem os privilégios das favorecidas e façam tudo o que podem para se libertarem do seu próprio excesso de privação. Onde isso não for possível, uma permanente parcela de descontentamento persistirá dentro da cultura interessada, o que pode conduzir a perigosas revoltas.
 Se, porém, uma cultura não foi além do ponto em que a satisfação de uma parte de seus participantes depende da opressão da outra parte, talvez maior - este é o caso em todas as culturas atuais-, é compreensível que as pessoas assim oprimidas desenvolvam uma intensa hostilidade para com uma cultura cuja existência elas tornam possível pelo seu trabalho, mas de cuja riqueza não possuem mais do que uma quota mínima.
Em tais condições, não é de esperar uma internalização das proibições culturais entre as pessoas oprimidas. Pelo contrário, elas não estão preparadas para reconhecer essas proibições, têm a intenção de destruir a própria cultura e se possível, até mesmo aniquilar os postulados em que se baseia. A hostilidade dessas classes para com a civilização é tão evidente, que provocou a mais latente hostilidade dos estratos sociais mais passíveis de serem desprezados. Não é preciso dizer que uma civilização que deixa insatisfeito um número tão grande de seus participantes e os impulsiona a revolta, não tem nem merece a perspectiva de uma existência duradoura.

Freud, em O Futuro de uma ilusão, Vol. XXI (1927).

Nenhum comentário:

Postar um comentário